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São Rafael e Veronese
No período de 1911 a 1913, acumulavam-se na casa-abrigo quatro salva-vidas: “Dona Amélia”, “Póvoa”, “Cego do Maio” e “Patrão Sérgio”, este último pesadíssimo, incapaz de sair do posto pelas dificuldades da sua locomoção aliado à falta de segurança: construído de forma esquisita, quando é lançado ao mar, em vez de singrar na corrente das águas, atravessa-se. Embora com falta de um salva-vidas que dê plena confiança e segurança sobre as águas, o Patrão Lagoa andou nas primeiras páginas dos jornais por arrojados salvamentos. A imprensa portuguesa teceu-lhe os maiores louvores e as entidades nacionais e estrangeiras cobriram-no de medalhas. Portugal inteiro falava dos lobos-de-mar da Póvoa, verdadeiros heróis do mar. Os reis de Inglaterra e o Presidente da República Francesa, enviaram não só as mais altas recompensas como avantajados prémios pecuniários, como até ali se não haviam concedido.
Pelas cinco horas da madrugada de 21 de Outubro de 1911, o navio “São Rafael”, cruzador da Armada Portuguesa, quando navegava com visibilidade reduzida sob violento temporal, encalhou numas rochas frente à foz do Rio Ave, em Vila do Conde, a 4oo metros de terra. Três tiros de canhão repetidos do navio de guerra, como pedidos de socorro, eram prenúncio de embarcação em perigo. As máquinas não trabalhavam e a fumarada perdia-se no romper da manhã enevoada e fria. Logo que as autoridades marítimas se aperceberam desta situação, havendo o perigo do cruzador se despedaçar contra os rochedos, chamaram os salva-vidas da Póvoa de Varzim, Caxinas, Leixões e Douro, munidos dos respectivos cabos de vaivém.
A bordo estavam 200 tripulantes em perigo de vida. De Leixões e do Douro vieram os salva-vidas “Leixões”, “Rio Douro” e “Porto” rebocados pelos vapores “Águia”, “Minho” e “Mars”. Com tanto azar que o salva-vidas “Porto” afunda-se a poucos metros do “São Rafael”. Como se essa malapata não bastasse, o vaivém que se estabeleceu de terra com o navio rebentou. A força do vento e o estado de mar, não permitiam que as corporações de bombeiros de Matosinhos - Leça conseguissem as ligações por cabos. O cruzador português ameaça partir-se. Pelas 10 horas chegou o salva-vidas “Leixões” capitaneado pelo Patrão Rabumba que em cinco viagens salvou alguns tripulantes, assim como o “Rio Douro”. Só depois chega o salva-vidas “Dona Amélia” (e mais tarde o Póvoa), trazendo a bordo o Patrão Lagoa. Não conseguiu chegar mais cedo porque o barco teve que ser transportado por terra para Vila do Conde, já que o estado do mar não permitia a navegação desde o porto da Póvoa. Patrão Lagoa traz o salva-vidas pela Foz do Ave, perante a surpresa dos milhares, de pessoas que se juntaram para seguir as movimentações. “Os poveiros são doidos! Isto é uma loucura! ” - Gritavam assustadas. Patrão Lagoa e os seus homens afoitaram-se ao mar bravo e com grande coragem trouxeram por três vezes tripulantes em perigo. Num esforço sobre-humano e quando ninguém acreditava o “Dona Amélia” traz para terra firme 58 marinheiros. Da tripulação do cruzador “São Rafael” apenas faleceu o criado de bordo António Maria Dias. O marinheiro Gilberto da Silva vendo a bandeira do navio esfrangalhar-se com o vento, atirou-se à água e foi buscar o estandarte que trouxe enrolado ao corpo. Registe- -se que o último a sair do navio foi o seu comandante Barbosa Ludovice. Um feito que os jornais da época enalteceram elevando Patrão Lagoa a herói. Para a história registe-se os nomes dos corajosos tripulantes do “Dona Amélia”: Patrão - Manuel António Ferreira; sota-patrão - Manuel António Ferreira Júnior; tripulantes - David Francisco Marques da Rosa, Manuel Agonia, Ribeiro d’ Almeida; José Francisco Marques; Francisco Rodrigues Rigor, Joaquim Pereira Rajão; António Rodrigues Maio; Moisés Marques da Rosa, Manuel Correia Novo, Francisco Afonso Ferreira Maravalhas e António Correia Novo. Os marítimos António Domingos Nunes, Francisco Ribeiro Pontes, João Gonçalves Gavina, António Francisco Marques da Rosa, Manuel Jacob e António Pereira Marques, que seguiam como possíveis substitutos dos tripulantes do “Dona Amélia" embarcaram no salva-vidas "Leixões" do Patrão Rabunba, fazendo parte da sua heróica guarnição, tão louvada pelos seus corajosos salvamentos. O episódio temerário do “São Rafael” foi o primeiro grande salvamento do Patrão Lagoa, um acto de grande coragem e abnegação na linha do “Cego do Maio”. Por esse feito, a que a imprensa deu justificado eco, o Governo Português atribuiu-lhe uma medalha e a Póvoa recebeu-o, assim como a toda tripulação, com grandes manifestações de regozijo.
José de Azevedo – Patrão Lagoa: o sonho de ser Cabo-de-Mar.
Póvoa de Varzim: Câmara Municipal, 2011, p. 29-32.
Bibliografia selecionada
- Azevedo, José de – Patrão Lagoa: o sonho de ser Cabo-de-Mar. Póvoa de Varzim: Câmara Municipal, 2011.
- Gomes, Albino – Cruzador S. Rafael: evocação do centenário do naufrágio: 1911-2011. Via do Conde: Edições do Monte, 2011.
- Graça, A. Santos – Epopeia dos Humildes: para a história trágico-marítima dos poveiros. Póvoa de Varzim: Câmara Municipal, 2005.
- Marçal, Horácio – Os naufrágios mais calamitosos ocorridos no litoral do concelho de Matosinhos e suas proximidades. Boletim da Biblioteca Pública Municipal de Matosinhos, nº 21 (1974), p. 53-88.
- Marçal, Horácio – A propósito do Naufrágio do Cruzador São Rafael, em 21 de Outubro de 1911. A Voz da Póvoa (17 de novembro 1983), p. 8-10.
De 2 a 7 de Novembro 2015
Na Biblioteca Diana-bar
Ver também:
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Ecos na Imprensa Local
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A propósito do Naufrágio do cruzador S. Rafael
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Galeria de imagens
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