Indagadores da fluidez do tempo e do acontecimento, os jornalistas assumem-se, dolorosamente, como os melhores testemunhos da avidez do Hoje que, em vertiginosa corrida, em Passado e Futuro se reclama e transfigura. O drama profissional do jornalista é gerado pelo carácter efémero da notícia. Mas também é esta "condição de ser" que faz dele o imprescindível mediador entre o acontecimento - "essa novidade ininteligível"!, no dizer de Pierre Nora [1983] - e a História.

Convirá não esquecer que, ao longo dos dois últimos séculos, no seu contacto privilegiado com o Mundo, foram os jornais que construíram, "preto no branco", uma nova leitura, solidária e inquieta, da marcha da humanidade. "Lê Ricardo Reis os jornais e acaba por impor a si mesmo o dever de preocupar-se um pouco." escreve José Saramago, 1984.

Já lá vão dezassete anos sobre a realização do ciclo de iniciativas culturais e pedagógicas consagradas à Imprensa Periódica Poveira (1870-1984) , organizado pela nossa Biblioteca Municipal e pela Escola Secundária "Eça de Queiroz". Aí se tornou possível avaliar a riqueza quantitativa e qualitativa do património jornalístico local e a importância deste como fonte essencial para o conhecimento da história contemporânea da Póvoa de Varzim, onde se destaca, como recurso indispensável á investigação, o estudo da imprensa periódica. Cresce, diariamente, o número de investigadores locais, nacionais e estrangeiros que a utiliza em trabalhos da mais ampla qualificação e interesse. A sua referência faz já parte de alguns repertórios e bibliografias temáticas, com distinção para: Fernando Barbosa - Periódicos Poveiros, [Boletim Cultural "Póvoa de Varzim" II-1[1959], A. H. de Oliveira Marques - Guia de História da 1ª. República Portuguesa [1981]; Daniel Pires - Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX. 1900.1974 [1996/1999]; Gina Guedes Rafael e Manuela Santos - Jornais e Revistas Portuguesas do Século XIX [1998]; Zília Osório de Castro e Paul Lerou - Piedade Popular em Portugal. Repertório Bibliográfico [1998].

Não são muitas, entre as Bibliotecas de Leitura Pública, as que conservam - e divulgam - uma colecção tão vasta e completa da imprensa local, compreendendo, desde 1870, como a nossa, cerca de duas centenas de títulos.

Foi em 1 de Janeiro de 1870 que saiu dos prelos o primeiro periódico poveiro - a "Gazeta da Póvoa de Varzim" - jornal noticioso editado e dirigido pelo romancista Manuel Pereira Lobato. Nasceu da vontade de um grupo de poveiros, que convidou um jornalista experimentado para dirigir o primeiro jornal da terra. Ao jeito do que ocorreu com o convite que Eça de Queiroz aceitou, aos 22 anos, para fazer, de cabo a rabo o bissemanário "Distrito de Évora". Na nossa "Gazeta..." , de idêntica periodicidade, o seu "programa", de acordo com as normas editoriais privilegiava, de um modo particular, o tratamento "dos melhoramentos moraes e materiaes do concelho - manutenção dos bons costumes pela moralidade, zelo e rectidão das auctoridades ecclesisticas civis e administrativas, progresso e augmento das classes commercial e artistica, interesses da lavoura e da pesca, e conveniencias geraes da mesma villa."

Os principais impulsionadores da "Gazeta da Póvoa de Varzim" [1870-1874] foram: o Reitor da Freguesia da Póvoa, António José Dantas da Gama; o Barão da Póvoa de Varzim, Manuel Fernandes da Silva Campos; Antero Rodrigues da Silva Vieira, Manuel Gonçalves da Silva e Manuel Francisco Carneiro de Sá, que assumiram a direcção da mesa da reunião realizada em 27 de Dezembro de 1869, nos Paços do Concelho, expressamente convocada para a fundação do primeiro jornal poveiro.

Trata-se de uma colecção única, quase completa, que valeria por si só, mas à qual acresce a importância histórica e documental que o tempo e o espaço lhe conferem. Os últimos trinta anos do século XIX e os primeiros do XX correspondem, no seu conjunto, a duas épocas cruciais do desenvolvimento económico, social e cultural da Póvoa de Varzim, responsáveis pela produção matricial do espaço piscatório e balnear que, ainda hoje, nos caracteriza e define. A imprensa local gere, como nenhuma outra fonte de conhecimento, o espelho e o eco das mudanças, das visibilidades e ocultações, das harmonias e confrontos que são o fermento da História.

Ademais, entre a duração e a efemeridade das publicações preservadas, avultam aquelas cuja qualidade criativa e dimensão temporal, constituem um património valioso e indispensável. Referimo-nos ás colecções completas da "Estrella Povoense" [1877-1911], "A Independência" [1881-1895], "O Liberal" [1895-1926], "A Propaganda" [1903-1916], "O Comércio da Póvoa de Varzim" [1903 e ainda em publicação ininterrupta], o "arquivo de materiais para a história concelhia" "A Póvoa de Varzim" [1911-1917] e a linha de semanários políticos que, desde "O 28 de Maio", passando por "A Vida Nova" e a "Idea Nova" até ao "Ala Arriba", cobrem o período inteiro do Estado Novo [1928-1974].

Este serviço encontra-se disponível para consulta na sala do Fundo Local da Biblioteca Municipal, podendo ser consultados a maioria dos periódicos poveiros até 1980.

O Boletim Cultural Póvoa de Varzim ainda se publica.