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| | O “Lagoa” Manuel António Ferreira - O “Lagoa”
No I CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO
Por José Ferreira Lopes
O, “quanto vale uma vida” e seu consequente significado, está bem patente na abnegada existência desse herói feito exemplo, que se chamou “Patrão Lagoa”.
Estamos habituados a ouvir a narração empolgante dos seus feitos e a admirar o seu peito coalhado de medalhas; mas, “les morts von vite” e deles nos restam apenas sombras de um passado longínquo.
Todavia para além do tempo e da condicionalidade das épocas renascem das cinzas, os heróis.
Renascem e vivificam como símbolos de um heroismo intemporal, a atestar o valor de uma raça, de um destino ou de uma vida.
Manuel António Ferreira nasceu a 14 de Junho de 1866 numa humilde casa de pescadores à rua da Senra – hoje José Malgueira – desta vila, era filho de João António Ferreira e de Rosa Delovina d’Afonseca, desde criança habituando-se a lidar com as ondas, aprendendo do mar os segredos e as armadilhas.
“Nunca se observa melhor o valor, a robustez dum povo, do que nesses momentos supremos em que corre grave risco a sua existência – em que um grande perigo o espreita ou um grande inimigo o empolga.” Alves Mendes
Casado com Felismina da Conceição Ferreira, dela teve 22 filhos robustos e corajosos, quatro dos quais o acompanhavam nas fainas da pesca e nas arrancadas homéricas dos salvamentos.
Pertencia à classe dos homens do “espinhel” (aparelho de pesca que servia para apanhar raias, badejos, fanecas e congros) sendo pessoa estimada pela “gente de coiro” a ponto de os chefes políticos da terra o procurarem para angariar votos entre a nossa gente do mar.
Correligionário do Dr. David Alves e seu “compadre”, era respeitado pela comunidade marítima, que várias vezes dele se servia para interceder junto às autoridades, pelos seus interesses e solução dos seus problemas.
Contudo, foi sobre o casco balouçante do “salva-vidas”, que Patrão Lagoa deu provas da altivez do seu carácter, desprendido e desinteressado, sem se preocupar com o perigo que ia correr a sua vida.
Bastam como exemplos convincentes, o salvamento da tripulação do “S. Rafael”, encalhado na foz do Ave junto à capelinha de Nossa Senhora da Guia, e do “Varonese”, nas pedras da Lanha à Boa Nova.
Em ambas, a abnegação e a coragem, o altruístico arrojo nas refregas contra o oceano encapelado, honrando a Pátria e a Póvoa, ao arrancar do mar as suas vítimas.
Foi condecorado com inúmeras medalhas e respectivos diplomas, como galardão merecido dos seus feitos de benfeitor da humanidade. O seu peito era uma constelação, como, afirmou Santos Graça.
Este ano de 1966, no apogeu das comemorações centenárias a Rocha Peixoto, é justo lembrar os insufismáveis actos de heroismo e humanidade de um poveiro que o soube ser, pela sua indomável coragem e excepcionais virtudes.
Um Poveiro a par do Cego do Maio e do Sérgio, ex-libris duma raça, que tão alto nobilitaram a progressiva e hospitaleira terra do seu nascimento.
Falta-me a chama empolgante do verbo para dignificar pela palavra escrita, a vida e os honrosos feitos de Manuel António Ferreira; todavia, sinto através da minha sensibilidade, a recepção sentimental do seu heroismo, a pureza e, para que não dizê-lo – a ingenuidade da sua abençoada abnegação.
Morreu o “Lobo do Mar” no dia 7 de Julho de 1919 apenas com 53 anos, - a imprensa da época não se poupou a celebrar a filantropia das suas acções, e Cândido Landolt por exemplo, firmou o seu nome em duas quadras de carácter incomiástico-popular, que ouso transcrever:
“Tocam os sinos chorando.
Quem morreu foi coisa boa;
Foi-se o herói do salva-vidas.
O bom do Patrão Lagoa!”
Mulher’s da pescaria,
Chorai a alma boa,
Que sem apêgo à vida
Foi o herói Lagoa!
Nobres exemplos deu à grei o valoroso patrão do salva-vidas, existência em constantes sobressaltos, dedicou-a quase exclusivamente aos seus semelhantes, alheio a si próprio – ele pertencia aos outros – como anjo do Bem a afastar dos náufragos a presença sinistra da morte.
Comemorar sem pompa ou vãos discursos laudatórios, a sua memória, é um dever de todos os poveiros que se prezam em o serem como ele dignamente o foi.
E, terminando, não quero deixar de registar neste despretencioso artigo, o estro poético de Bernardino da Ponte ao referir-se ao patrão Lagoa, quando do lamentável naufrágio do “Veronese”:
Salvé! herói dos herois…a Boa Nova
Em dentados penhascos tens a prosa
Da tua denodada valentia…
Se o bando mau, cruel do servilismo,
Não souber premiar teu heroismo…
Console-te dos bons a simpatia.
“Ala Arriba”. Ano XXXII – 2ª fase (Avençado), Nº 731. (18 de Junho de 1966).
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